Nem toda tentativa de modernizar um clássico é, necessariamente, um avanço. Branca de Neve, a mais nova aposta da Disney para repaginar seus contos animados em versões live-action, parece determinada a provar isso da forma mais desastrosa possível. Com direção de Marc Webb – o mesmo de (500) Dias com Ela e da esquecível franquia do Espetacular Homem-Aranha -, o filme já nasceu cercado por polêmicas que escaparam das telas, mas que, infelizmente, encontram eco dentro delas.

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A ideia por trás da produção era até interessante: atualizar a fábula da primeira princesa Disney, transformando a jovem donzela indefesa em uma protagonista mais dinâmica, independente e empoderada. Rachel Zegler, que já havia provado seu talento em Amor, Sublime Amor, até tenta cumprir essa missão com simpatia e competência. O problema é que o roteiro parece ter saído direto de uma palestra motivacional ruim, repleto de frases de autoajuda que se empilham sem qualquer profundidade ou contexto. O resultado? Um esgotamento emocional do público antes mesmo da metade do filme.

Os problemas se agravam com os números musicais. Se antes as canções faziam parte do DNA emocional dos clássicos Disney, aqui elas são frias, genéricas e sem alma. A fotografia também contribui negativamente, com uma estética plastificada e artificial que afasta o espectador da experiência. É difícil mergulhar no universo do filme quando tudo parece saído de uma simulação barata – como se estivéssemos presos dentro de um jogo com gráficos de geração ada.

Gal Gadot, no papel da Rainha Má, protagoniza talvez a maior tragédia artística do longa. Sua vilã, que deveria ser imponente e ameaçadora, parece saída de uma esquete cômica dos anos 2000. A cena em que ela canta com os guardas do palácio tem o mesmo nível de constrangimento de um musical improvisado em um programa de auditório. É difícil entender como um papel tão central foi tratado com tamanha canastrice – algo que nem a sua alardeada beleza é capaz de contornar. Sua interpretação só não é pior do que seu destino final, um clichê vagabundo que deixa de lado a conclusão exuberante e dramática do desenho.

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E os sete anões? Com aparência artificial e movimentos forçados, não funcionam nem como alívio cômico, nem como figuras mágicas. Soam deslocados, frios, quase desconfortáveis de assistir. É o vale da estranheza em seu exemplo máximo, incapazes de criar um mínimo de interação e sem o menor desenvolvimento da personalidade de cada um, talvez com exceção do Dunga, que é a cara do Alfred E. Neuman da revista Mad. Você é arrancado pra fora do filme cada vez que eles aparecem.

Até mesmo a subversão de papéis – como transformar o Príncipe em um bandido charmoso, como funcionou tão bem em Enrolados – a batido diante da tentativa constante de transformar Branca de Neve numa paladina das virtudes modernas. O que poderia ser um arco interessante de reinterpretação vira, na prática, uma sucessão de discursos didáticos que transformam a protagonista numa espécie de coach da justiça e da ética.

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Nos bastidores, a produção já enfrentava resistências muito antes da estreia. Declarações controversas do elenco e a substituição dos tradicionais anões por personagens digitais geraram debates inflamados nas redes. Houve atrasos nas filmagens, regravações e a percepção de que o estúdio não sabia exatamente que tipo de filme estava fazendo. Em vez de uma releitura ousada como em Mulan ou Mogli, temos um Frankenstein de intenções que nunca encontram uma forma coesa.

No fim das contas, o novo Branca de Neve não consegue emocionar, não diverte, e tampouco empolga. É um filme que tenta fugir do modelo original, mas esquece de construir algo minimamente envolvente em seu lugar. Fica a sensação de que tudo que se poderia preservar do encanto do clássico foi deixado de lado – e que toda tentativa de renovação acabou soterrada por decisões equivocadas.


Serviço

Título: Branca de Neve
Direção: Marc Webb
Elenco: Rachel Zegler (Branca de Neve), Gal Gadot (Rainha Má)