Em CD, regente Jeffrey Skidmore resgata preciosidades da produção da época

O namoro do regente inglês Jeffrey Skidmore, 64 anos, com a música colonial da América Latina começou em 2003. De lá para cá, três CDs com seu prestigiado grupo Ex-Cathedra, que fundou em 1969, mapearam o barroco da América Espanhola, com destaque para a música das missões bolivianas e do México. Pois ele acaba de mostrar o resultado de três criteriosas incursões pelo Brasil nos últimos anos num esplêndido CD para o selo inglês Hyperion, que está sendo internacionalmente lançado este mês (disponível para em iTunes).

“Brazilian Adventures” faz uma amostragem significativa da produção colonial brasileira. Da gravação, feita na Inglaterra, participa o violinista brasileiro Rodolfo Richter, liderando o grupo instrumental que acompanha os ótimos cantores do Ex-Cathedra. Skidmore deu aulas nos últimos Festivais de Música de Curitiba, dirigidos por Richter.

Em primeiro lugar, destaque-se sua atitude aberta. Ele conversou com muitos pesquisadores da música colonial brasileira. Em São Paulo, com o pioneiro e mestre Régis Duprat, responsável pela descoberta da “Missa a 8 Vozes”, de André da Silva Gomes (1752-1844), mestre de capela da Catedral da Sé. Na cidade, também aprendeu com Paulo Castagna, pesquisador que resgatou o acervo musical do Museu de Mariana, em Minas.

Em Salvador, Skidmore trocou figurinhas com Paulo Costa Lima, compositor e pesquisador. E, no Rio, conheceu, na Biblioteca Nacional, a obra imponente e decisiva do Padre José Maurício Nunes Garcia (1767-1830), resgatada por outra pioneira, Cleofe Person de Matos.

O eixo central da gravação está nas iráveis performances destas duas obras capitais da música colonial brasileira, de Gomes e José Maurício. O maior espanto de Skidmore foi ter se deparado com música pré-clássica – jamais barroca, ao contrário da produção musical da América espanhola. Explica-se: por aqui, os primeiros manuscritos encontrados datam de meados do século 18, enquanto nos demais países latinos a ação dos jesuítas manteve quase intacta uma vasta produção de fato barroca. No Brasil, Haydn e Mozart eram ídolos de José Maurício; os compositores “importados” de Portugal respiravam a atmosfera clássica. “É uma música muito bela, mas europeia.” Nenhum problema: a intenção de José Maurício e dos demais era esta mesmo.

Outro espanto: ao visitar as igrejas coloniais de Ouro Preto e Salvador, ficou perplexo ao não ouvir nada da música colonial brasileira. Quase num desabafo, declarou em recente entrevista que “esta é a música que deveria ser interpretada e ouvida nelas. Se você a ouve em seu contexto original certamente a escutaria com ouvidos diferentes”. Por que não? A música brasileira colonial é de primeira qualidade e precisa ser mais conhecida do grande público nos próprios locais onde nasceu – ou seja, nas igrejas.

Peças curtas, mas bastante significativas, emolduram as missas. Castagna reou raridades por ele descobertas a Skidmore. Como os dois villancicos anônimos inéditos cantados em português da região de Mogi das Cruzes, São Paulo. Um deles, “Matais de Incêndios”, abre o CD, com o coro acompanhado por violão e percussão.

Outra preciosidade que devemos a Castagna, assinada pelo português Luis Álvares Pinto (1719-1789), que trabalhou no Recife: as encantadoras Beata Virgo e Oh! Pulchra est, que integram os “Divertimentos Harmônicos”, intercaladas com uma invenção a duas vozes das Lições de Solfejo para órgão. Belíssimos também os três Tercios de José Joaquim Emerico Lobo de Mesquita (1746-1805), preciosos duetos de sopranos: Padre Nosso, Ave Maria e Glória.

Existem, é certo, ótimos registros da “Missa Pastoril”, de José Maurício. Mas é igualmente certo que Skidmore e seu Ex-Cathedra construíram um CD mosaico representativo, inclusivo e fiel à diversidade da produção colonial brasileira. Em um nível interpretativo de excelência.

O grupo que tem sede em Birmingham, na Inglaterra, contabiliza 25 CDs em sua existência. Quatro de música latino-americana, com estas “Brazilian Adventures”. Pelo entusiasmo de Skidmore, o quinto poderá também ser de música brasileira. As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.

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