Se estivesse vivo, Henrique de Souza Filho faria 70 anos nesta quarta-feira, 05. Quem? Henfil, ora! Quem não o conheceu em sua época? Afinal, seu traço rápido e cheio de movimento deu origem a personagens que entraram para o imaginário brasileiro nos anos 70 em especial: a Graúna, o bode Francisco Orellana, o cangaceiro Zeferino, os Fradinhos. Henfil foi superconhecido de uma geração que ficava esperando, com água na boca, seus novos cartuns.

Com seus personagens, Henfil brincava com os estereótipos. Graúna, o Cangaceiro e o bode, por exemplo, apareciam sempre em trio. O cangaceiro Zeferino era um clichê do nordestino machista e violento. Graúna era analfabeta, mas de inteligência viva. Ela poderia encarnar aquilo que Ariano Suassuna definiu em seu Auto da Compadecida: “a esperteza é a coragem do pobre”. O bode Orellana ironizava o intelectual livresco (a comida preferida do bode eram os livros), com muita cultura, porém com profunda ignorância das condições reais em que vivia o povo e como ele pensava.

Com essa trinca, Henfil comentava a situação do País, que vivia sob uma férrea ditadura. No caso, captava a situação do interior nordestino, a caatinga, a indústria da seca, o coronelismo e o mandonismo da região, com seus próceres sempre alinhados com o governo. Afinal, lucravam muito à custa da miséria alheia. Continuam lucrando, aliás.

O traço rápido e irreverente de Henfil era sua forma de pensar um Brasil cuja luz no fim do túnel podia ser a de um trem vindo em direção contrária, como dizia outro mestre do humor, Millôr. Corajoso e ácido, fustigava a ditadura através das brechas deixadas pela censura, mas não poupava quem a combatia de forma romântica e idealizada. Daí a implicância com a oposição livresca, que caracterizou no bode Orellana, com seu apetite por celulose e o chapeuzinho coco na cabeça.

O medo generalizado de viver sob um regime autoritário era expresso através de outro dos seus personagens, Ubaldo, o Paranoico, que, como o nome diz, tinha medo de tudo, até do que não precisava ter. Mas, como lembrava seu autor, mesmo os paranoicos às vezes têm seus perseguidores reais. O medo existia e, embora paralisante, tinha raízes no mundo real, na sociedade que não oferecia garantias individuais contra a prepotência, em especial depois da decretação do Ato Institucional n.º 5 em dezembro de 1968.

Essas frestas da ditadura, Henfil ocupava alegremente, por assim dizer. São antológicos alguns dos seus desenhos no Pasquim, o famoso “hebdô”, que marcou a renovação da linguagem jornalística do País. O Pasca tirou a gravata do texto e do desenho com um time brilhante e afiado: Millôr, Ziraldo, Jaguar, Paulo Francis, Ivan Lessa, Sérgio Augusto e, claro, Henfil. O espírito da coisa era oralidade nos textos, desenvoltura nos desenhos e senso crítico sem complacência. Era o lugar ideal para cada um, e, em especial, para o mineirinho Henfil, que chegou ao Rio para bagunçar o coreto.

Alguns dos seus desenhos no Pasquim são antológicos. Criou uma série que era dinamite pura, intitulada O Sobrevivente. Tinha desenhos como um assaltante esfaqueando uma velhinha para roubar-lhe a bolsa, um empresário da construção civil dirigindo-se a um operário caído do andaime, um urubu comendo o fígado de um condenado, um avião americano lançando bombas sobre vietnamitas. A fala dos protagonistas de cada cartum era sempre a mesma: “Tenho de sobreviver, entende"M627.409,331.563L512.604,306.07c-44.69-9.925-79.6-46.024-89.196-92.239L398.754,95.11l-24.652,118.721 c-9.597,46.215-44.506,82.314-89.197,92.239l-114.805,25.493l114.805,25.494c44.691,9.924,79.601,46.024,89.197,92.238 l24.652,118.722l24.653-118.722c9.597-46.214,44.506-82.314,89.196-92.238L627.409,331.563z"/>