Necessidade de alterações estatutárias e contratuais
Luiz Fernando Zornig Filho e Rômulo Silveira da Rocha Sampaio
1. Introdução
O atual texto do Código Civil Brasileiro (CCB), em vigor desde 11.01.03, modifica substancialmente as regulamentações jurídicas e constitutivas das organizações sem fins lucrativos e das sociedades limitadas.
Sem objetivo de analisarmos todas as transformações impostas pela legislação atual, faremos breves comentários de alguns pontos essenciais e que devem ser objeto de preocupação dos es (associações) e dos sócios (em especial das empresas limitadas).
As associações são tratadas em seção agora denominada “Das Associações” (arts. 53 a 61).
As sociedades por quotas de responsabilidade limitada, antes disciplinadas pelo Código Comercial e outras normas aplicáveis, aram a ser designadas “Sociedades Limitadas” (arts. 1.052 a 1.087).
2. Associação
O novo CC traz diferente conceito de associação civil em seu art. 53: “Constituem-se as associações pela união de pessoas que se organizam para fins não econômicos”.
Observa-se, a partir desse dispositivo, que as associações continuam correspondendo a um conjunto de pessoas, mas a mudança da expressão anterior “não lucrativa” para “não econômica” traz sensíveis implicações jurídicas.
O novo texto inquieta muito as associações, especialmente aquelas que têm atividades econômicas como fonte de recursos. O receio, compartilhado por outras organizações, como, por exemplo, fundações hospitalares e universidades, diz respeito a eventual descaracterização do formato associativo ou fundacional, e ao conseqüente enquadramento como sociedade, retirando o direito a certos benefícios fiscais.
Com o objetivo de evitar interpretações contraditórias e levando em conta vozes autorizadas de diversos segmentos da sociedade civil, já há um projeto de lei (PL 6.960/02) tendente a modificar o atual art. 53, propondo a seguinte redação: “Constituem-se as associações pela união de pessoas que se organizam para fins não lucrativos” (grifos nossos).
Entretanto, em nosso ponto de vista, não há impedimento para que associações e fundações desenvolvam atividades econômicas como fonte de recursos à sua permanência, e de renda, para executar seu objetivo social. Não desvirtuados esses fins, não há qualquer óbice a tanto, ressalvando-se, ainda, a vedada divisão dos resultados entre os associados.
Dessa forma, fica caracterizada a principal diferença entre as associações e as sociedades (arts. 53 e 981 do CCB).
O regime estatutário também sofreu mudanças interessantes, como a possibilidade de anulação do estatuto se não preenchidos os requisitos do art. 54.
Com relação aos direitos dos associados, seguindo tendência legislativa de se proteger o mais fraco, o CCB também inova, pois o art. 54, I e II, prevê maior auxílio aos direitos dos associados. O legislador tornou obrigatória norma estatutária relativa aos direitos e deveres destes, permitindo diversas categorias, inclusive impondo requisitos para ingresso e exclusão, trazendo, assim, maior transparência.
Quanto à forma de se istrar as associações, foi ampliado o poder das assembléias gerais, descentralizando-se as decisões e tornando mais democrática. As deliberações mais expressivas devem acontecer, necessariamente, considerando-se o conjunto dos associados, reunidos em assembléia geral. O quorum mínimo de instalação, deliberação e aprovação de determinadas matérias torna mais claro e participativo o processo decisório. (arts. 59 e 60)
Em caso de dissolução ou extinção da associação, o novo CCB mantém a regra anterior, que já obrigava as organizações a destinarem seu patrimônio a estabelecimento público ou organização congênere, como condição para o exercício de benefícios fiscais, e acrescenta, no art. 61, § 1.º, a possibilidade de os associados receberem, em restituição, as contribuições prestadas ao patrimônio, através de norma estatutária ou deliberação dos associados.
3. Sociedades limitadas
No campo do direito societário, grandes foram as inovações, a começar pelo estabelecimento das “sociedades simples”, seguindo-se com a atualização das “sociedades limitadas” (Livro II – Do Direito de Empresa).
A primeira delas refere-se a considerável substituição de comerciante por empresário (art. 966), conceituando este como aquele exercente de atividade econômica organizada para a produção ou circulação de bens ou serviços.
O art. 981 define como contrato de sociedade as pessoas que, reciprocamente, se obrigam a contribuir com bens ou serviços para o exercício de atividade econômica e a partilhar, entre si, os resultados.
O CCB, art. 50, a a prognosticar, expressamente, a desconsideração da personalidade jurídica, quando configurado abuso, de modo que os es ou sócios venham a responder por obrigações da sociedade com seus bens particulares.
Relativamente ao segundo tema objeto do nosso estudo, ou seja, as “sociedades limitadas”, a legislação atual também adquiriu vários outros aspectos, entre os quais destacamos, abaixo, os que entendemos mais relevantes.
O novo CCB aproximou a forma de constituição e funcionamento das sociedades limitadas àquela afeta às sociedades anônimas (arts. 1.052 a 1.087), aumentando as formalidades e impondo responsabilidade ampliada aos seus es, conforme já mencionamos.
Ao término de cada exercício, tornou-se obrigatória a elaboração de inventário, de balanço patrimonial e de balanço de resultado econômico (art. 1.065), concedendo aos sócios minoritários transparência e proteção.
Instituiu-se, forçosamente, que as deliberações sejam tomadas em assembléias (caso, vale frisar, se conte com número de sócios superior a 10) ou reuniões, conforme previsão contratual. Só há uma exceção para não se convocar as assembléias: quando todos os sócios decidirem, por escrito, sobre a matéria que seria objeto de exame e debate (art. 1.072).
Abriu-se a possibilidade de se criar “Conselho Fiscal”, composto de três ou mais membros, sócios ou não (arts. 1.066 a 1.070).
Por último, previu-se que nas omissões do Capítulo IV aplicam-se as normas que regem as sociedades simples (art. 1.053), estabelecendo-se, ainda (parágrafo único), que o contrato social poderá autorizar a regência supletiva pelas normas da “Sociedade Anônima” (Lei nº 6.404/76), o que nos parece mais aconselhável.
4. Conclusão
Na hipótese de constituição de associações e sociedades, a partir de 11.01.03 (data de início da vigência da Lei n.º 10.406/02, que instituiu o novo CCB), a ausência de dispositivos obrigatórios poderá acarretar a nulidade dos atos constitutivos. Por outro lado, as organizações e sociedades já formalizadas, e cujos estatutos e contratos sociais não observem as atuais e obrigatórias previsões, têm o prazo de um ano, ou seja, até 11.01.04 (art. 2.031), para adaptarem seus textos.
É sempre longo o processo de interpretação de uma lei nova e, em se tratando de um instrumento tão abrangente e complexo como o novo CCB, mais ainda, por certo. Apenas com o tempo sua exegese se tornará mais uniforme, especialmente, à luz da realidade social, a partir dos posicionamentos da doutrina e da jurisprudência.
Com o presente trabalho procuramos, exclusivamente, participar dessa marcha, tencionando contribuir com a apresentação, ainda que sucinta, de algumas das mudanças trazidas pelo novo CCB no que diz respeito, especificamente, às “Associações ” e às “Sociedades Limitadas”, de modo a alertar os que se interessam ou estejam envolvidos com o tema versado para a obrigatoriedade de adaptação dos estatutos e contratos sociais à nova ordem vigente.
Luiz fernando Zornig Filho e Rômulo Silveira da Rocha Sampaio
são advogados em Curitiba.