Às 8 horas do sábado que antecedeu a noite mais frio do ano, dona Odete já estava de pé colocando 40 quilos de arroz e 100 quilos de frango na a. Junto a outros voluntários, a aposentada de 64 anos começava ali a cozinhar as 800 refeições que seriam distribuídas mais tarde para moradores de rua da região central de São Paulo.
A ação solidária fez a diferença em uma madrugada em que a média dos termômetros paulistanos chegou a 5 °C, menor registro em três anos. Em alguns bairros, porém, como Marsilac (zona sul), o frio chegou à marca de -0,1°C. Moradores se queixam da qualidade dos abrigos públicos e Prefeitura diz que não faltam vagas, mas ite que há problemas.
O jornal O Estado de S. Paulo esteve nas ruas de São Paulo neste domingo, 7, e viu a situação daqueles que não foram recolhidos para abrigos públicos. Todos os espaços longe do chão gelado, como os deques do Largo de São Bento, eram opção. E houve casos como o do gari Geraldo, de 59 anos, que na última madrugada dormia dentro de uma “barraca” feita com caixas de papelão. Desde que perdeu o emprego e as economias, há dois anos, está nessa situação. “Eu só queria uma oportunidade. A gente só consegue mudar pelo trabalho e tenho esperança de que ainda vou conseguir”, diz. Ou o caso do soldador Clodoaldo, de 34 anos, desempregado e dependente de álcool, que só queria uma agem para sua cidade natal, no Mato Grosso do Sul. “Minha preocupação não é o frio, é o amanhã.”
Solidariedade
Às 22 horas, a reportagem encontrou dona Odete indo para o segundo turno do trabalho: a entrega das quentinhas. “Faço questão de vir entregar porque é muito bom ouvir cada agradecimento deles. Minha família cresceu participando desse projeto, eu não falto nenhum sábado”, conta ela, que, junto a mais de 200 voluntários, integra a ONG Anjos da Noite, que presta atendimento à população de rua no entorno da região da 25 de Março e São Bento. Há mais de 20 anos no projeto, Dona Odete é acompanhada todos os sábados pelo filho Marcos, de 43 anos, e pelo neto Jorge, de 16. “O menino, a gente traz desde que tinha 4 meses de idade. Ele era bebê e vinha com a gente. Hoje, os amigos podem chamar ele para sair sábado à noite, mas prefere vir aqui”, diz, orgulhosa.
Além das refeições, a ONG distribui cobertores, roupas, água, kits de higiene e até ração para os animais dos moradores de rua. A rotina repete-se todos os sábados há 30 anos, desde que a ONG foi criada pelo servidor público Kaká Ferreira, de 66 anos. Com as baixas temperaturas, os “Anjos da Noite” reforçaram o estoque de cobertores, agasalhos, meias e toucas, e saíram a pé pelas ruas do centro distribuindo um pouco de calor a quem dormia nas calçadas.
Pelo caminho, os voluntários encontram as mais diferentes histórias e demandas. “Não é só auxílio material. É também conversar com eles, conhecê-los, saber o nome. Muitos já foram abandonados pela família, então precisam de um alicerce”, diz a advogada Vanessa Miyuki, de 27 anos, que entrou para o projeto na noite de Natal de 2018 e continua até hoje. Na ONG, conheceu o namorado, o designer Renato Broco, de 24 anos, que começou a participar aos 12 anos. “Vim por causa de um trabalho de escola e não parei. Às vezes as pessoas acham que essas ações são para ajudar o outro, mas eu vejo que é uma forma de me ajudar também, de preencher um vazio na vida.”
De acordo com o presidente da ONG, o trabalho dos voluntários é o que mantém o projeto em pé, já que as doações são escassas. “Muitas vezes a pessoa não tem como colaborar com dinheiro ou objetos, mas tem a vontade de ajudar, de cozinhar, de participar da entrega”, diz ele. “Dinheiro mesmo a gente arrecada pouco. Esse mês foram só R$ 700”, conta. Muitos ajudam com a doação de alimentos, roupas ou cobertores.
Queixas
Mesmo na madrugada mais fria do ano, a rua continua sendo mais atrativa a parte da população sem-teto, que alega má qualidade dos abrigos oferecidos pela Prefeitura. Pelo menos quatro sem-teto disseram ao Estado ter desistido de frequentar os equipamentos municipais por causa da infestação de percevejos e muquiranas, espécie de piolho de cama.
“A gente ganha cobertor e roupa novos de doação e tem de jogar tudo fora depois de ir para esses lugares porque fica tudo infestado, é uma coceira sem fim”, diz o pedreiro Denis Duarte, de 41 anos, que dormia na frente da Estação São Bento do Metrô, mas que já esteve em abrigos da Barra Funda, Parque Novo Mundo e Aricanduva, onde vivenciou os problemas. “Acho que falta fiscalização nesses lugares.”
O carroceiro Marcos da Silva Farias, de 45 anos, teve experiência semelhante. “Dormi nesses lugares e eles não trocam nem o lençol quando sai uma pessoa e entra outra. Saí de lá todo empelotado”, conta. Farias também reclama da escassez de vagas em abrigos que tenham estacionamento para carroças. “Isso aqui é meu ganha pão, como que eu vou deixar na rua"M627.409,331.563L512.604,306.07c-44.69-9.925-79.6-46.024-89.196-92.239L398.754,95.11l-24.652,118.721
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