Há 50 anos, a democracia tremeu na França. Em meio à crise política provocada pela convulsão social de Maio de 1968, Charles De Gaulle viajou em segredo de Paris em direção a uma base militar sa em Baden-Baden, na Alemanha, e deixou para trás ministérios e instituições esvaziadas e um país à mercê de um golpe de Estado. Nessa semana crítica de 23 e 30 de maio de 1968, revolucionários de esquerda sonharam com a tomada do poder, mas a maioria dos revoltosos, inspirados pelo universitário Daniel Cohn-Bendit, não manobrou para derrubar o governo.
Cinco décadas depois, um dos militantes mais ardorosos de Maio de 68, Serge July aceitou falar ao jornal O Estado de S. Paulo com exclusividade. Cofundador do jornal Libération, ao lado de personalidades como o filósofo Jean-Paul Sartre, o jornalista moderou seu ativismo ao longo dos anos, mudando também a linha editorial do Libération, hoje um jornal de perfil social-democrata – ou “liberal-libertário”, como ele define. Na entrevista, July explica que, em meio ao caos social de Maio de 68, a presidência de De Gaulle esteve por um fio, mas um golpe não aconteceu porque ninguém queria o poder.
A imagem de Maio de 1968 são as barricadas no Quartier Latin. Mas essa é só parte do movimento, não?
Houve barricadas simbólicas entre o 3 e o 10 de maio, o que permitiu aos estudantes ganhar a queda de braço. O governo reabriu as universidades e libertou os estudantes presos. Isso deu ao conjunto dos movimentos sociais muita esperança. Por isso, logo a seguir, teve início o movimento social mais importante da história da França – mais importante até do que o de 1936, a Frente Popular. A particularidade sa é que os estudantes detonaram o movimento social.
Por que um movimento antiautoritário e libertário explodiu na França, que era um país democrático e livre?
Creio que De Gaulle encarnava uma concepção muito vertical do poder em um país muito igualitário. O lado autoritário de De Gaulle durou dez anos e as pessoas estavam cansadas. Por isso, coisas muito secundárias pesaram em Maio de 68.
O senhor afirma que existe um Maio de 68 estudantil, diferente do Maio de 68 operário. E os dois se encontram em uma greve geral. Pode explicar?
Houve três grandes episódios em Maio de 68. Um momento estudantil, que foi de março até o 13 de maio, dia da greve geral. Esse período foi concluído com uma vitória. O segundo foi a ampliação do movimento à juventude, não apenas universitária, mas também operária e assalariada. Esse momento começou em 13 de maio, com a ocupação das empresas, com 8 a 10 milhões de grevistas nas ruas. Foi um movimento popular, não uma minoria, que tomou as empresas para refletir sobre como organizar o trabalho de outra forma.
E o terceiro episódio?
Em 24 de maio, após a expulsão de Daniel Cohn-Bendit, De Gaulle lançou a ideia de realizar um referendo. De imediato, ele se deu conta de que havia tomado uma decisão errada. A iniciativa criou uma tensão geral. O aparelho de Estado se fragilizou, os ministérios e órgãos da istração pararam. Havia um medo no ar. Philippe De Gaulle, filho do general, dormia junto à porta, armado, com medo do que poderia acontecer se não houvesse mais policiais para defender o Palácio do Eliseu, caso ele fosse invadido.
Mas a França esteve assim tão próxima de uma revolução?
Não, por duas razões maiores. A primeira era o fato de que os estudantes não cogitavam a tomada do poder, nem mesmo os de extrema esquerda. É preciso muita organização para fazer um golpe de Estado. O Brasil conhece bem essa história. É preciso do apoio de segmentos das Forças Armadas, de partidos políticos. Não havia isso. O movimento estudantil não tinha nenhuma ideia política além de fazer parar o autoritarismo. Jean, o neto de De Gaulle, um dia almoçou com o presidente, que perguntou: “Mas o que é que vocês, jovens, querem"M627.409,331.563L512.604,306.07c-44.69-9.925-79.6-46.024-89.196-92.239L398.754,95.11l-24.652,118.721
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