Há cerca de uma semana, uma nova crise existencial dominou a timeline daqueles que já aram dos 25 —então eu sou “cringe”? Ou, principalmente, o que é “cringe”?

O termo tem origem em um verbo inglês e ganhou o submundo da internet, onde virou gíria. No Brasil, virou um adjetivo que, entre outras coisas, define muito do que a geração Z —os nascidos entre 1995 e 2010— acham dos millennials —aqueles que nasceram entre 1980 e 1994.

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Depois que usuários da geração Z no Twitter responderam a pergunta sobre o que classificavam como “cringe” entre os hábitos dos millennials —e que incluíam tomar café da manhã, pagar boletos e tomar uma cerveja litrão—, o termo se tornou alvo de críticas e de questionamentos sobre o que ele significa.

E no afã de tentar explicar à superfície da internet o que, afinal, é “cringe”, o millennial fez o que faz de melhor —destilou ironia para criar piada em cima de piada até praticamente esvaziar a palavra de seu sentido.

Mas “cringe” não é um termo simples de traduzir, como sugerem usuários da internet para quem bastaria usar “vergonha alheia” ou “mico”. A palavra tampouco encontra correspondência só no verbo “to cringe”, do inglês, mas também num adjetivo alemão, com um uso próximo do que tem acontecido no Brasil. E essa guerra geracional entre as gerações Z e millennial, na verdade, é atravessada por vários outros microgrupos, com rótulos cada vez mais cheios de nuances.

Depois que virou gíria, “cringe” ou a ser usado principalmente para definir uma situação constrangedora na qual sobra confiança e falta autoconsciência para a pessoa que está sendo “cringe”.

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Também existem situações “autocringe”, como quando você responde um “você também” a um “boa noite”, mas ele é usado, principalmente, para falar do outro. É algo como assistir a um cantor desafinado, mas que acha que está abalando no “The Voice”. Ou ver um cara descamisado exibir o tanquinho e fazer caras e bocas num vídeo no TikTok.

“É muito difícil rastrear a origem de um meme”, explica João Miguel Silva, do coletivo Melted Videos —que produz, principalmente, memes. “Tenho a impressão de que o cringe começou a ser usado mais aqui no Brasil antes da pandemia. Mas é uma palavra que aparece desde a época do Snapchat e que tem seu oposto, que é o ‘based’, que seria o cara ‘fodão'”, explica. Basta rolar a timeline do perfil do grupo no Instagram para ver como as menções ao termo foram aumentando nos últimos meses.

Num vídeo publicado em maio de 2020, a youtuber Contrapoints aponta que a palavra “cringe” começou a ganhar a internet em 2016 –justamente no auge do aplicativo de compartilhamento rápido de imagens e vídeos por aqui. Desde então, sua popularidade só cresceu.

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E não foi por um motivo exatamente legal ou engraçadinho, como o que fez o termo chegar à superfície da internet na última semana. “Cringe” virou um gênero de vídeos de reação no YouTube e de fóruns como 4chan e o Reddit, onde os supostos esquisitos —de otakus a feministas— eram constantemente avacalhados.

Apesar de o submundo da internet não ter espaço para compaixão e empatia, com o ar do tempo o “cringe” ganhou novos públicos e, com isso, novos significados. Virou sinônimo para algo como aceitar a própria esquisitice. “Ninguém é perfeito, mas todos podemos ‘cringe'”, diz um meme publicado pela Melted Videos em maio. Na legenda, o recado “só seja você mesmo”.

Origens e significados do termo

Samuel Delgado Pinheiro, especializado em língua inglesa pela Universidade de São Paulo, a USP, aponta que “cringe” tem uma origem germânica, e que aparece em variações em outras línguas. No alemão, por exemplo, “krank” é, sim, um adjetivo -e remete a algo como doente.

Num dicionário etimológico de 1874, por exemplo, ele conta que “cringe” carrega a ideia de se submeter e servir a alguém. “O sentido dela foi mudando com o tempo. Imagino que a ideia de ‘se submeter’ que a palavra carrega tem a ver também com a ideia de que se submeter a alguém é algo vergonhoso”, afirma, sobre o caminho que os significados podem ter percorrido.

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Apesar de vários termos em inglês serem usados desnecessariamente em português, como “staff” com a existência de “equipe”, ele afirma que “cringe” não é uma palavra que encontra uma correspondência clara na língua portuguesa.

“‘Cringe’ tem aparecido em muitos livros jovens. E é uma coisa muito difícil de traduzir. Eu pensava ‘vergonha alheia"M627.409,331.563L512.604,306.07c-44.69-9.925-79.6-46.024-89.196-92.239L398.754,95.11l-24.652,118.721 c-9.597,46.215-44.506,82.314-89.197,92.239l-114.805,25.493l114.805,25.494c44.691,9.924,79.601,46.024,89.197,92.238 l24.652,118.722l24.653-118.722c9.597-46.214,44.506-82.314,89.196-92.238L627.409,331.563z"/>